Eu nunca fui um bom contador de histórias… até que entendi que isso não era tão importante assim.
O ano era 2015 e eu havia sido convidado por uma editora para visitar o Salão da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a FNLIJ, no Rio de Janeiro. Dentre muitas atividades, escritores e ilustradores de todo o Brasil se encontram para conversar com muitas crianças.
Eu e o Ilan Brenman, escritor, iríamos apresentar o livro Enganos. Era a minha primeira apresentação em um evento e estava tranquilo, pois o Ilan sempre soube se expressar muito bem em público. Eu, ao contrário, era muito tímido, mas entendi que, se eles quisessem saber do meu livro, eu teria que estar lá, seja para conversar, desenhar ou responder algumas perguntas.
Eu já estava no evento quando o Ilan me ligou avisando que não chegaria a tempo e eu teria que fazer a apresentação sozinho. Fiquei desesperado e, ao mesmo tempo, um pensamento veio à mente:
"Se eu sou um ilustrador de livros para crianças, vou ter que aprender a me comunicar com elas. Vou tentar, vamos ver o que acontece."
Ao entrar na sala me deparei com quase 200 crianças, e eu não sabia o que fazer ou como me comportar.
Abri o livro, que não tinha texto, só imagens. As crianças tentavam adivinhar o que acontecia em cada cena, gritavam, berravam e eu aproveitei esse agito e fiz elas ficarem em pé e até dançarem. Os professores ficaram desesperados, mas foi muito legal, foi uma experiência boa pra mim.


Mesmo tendo vivido um dia incrível, voltei pra casa com uma certa dúvida: Seria mesmo esse o público com quem eu queria conversar? Continuaria fazendo arte pra crianças? O quanto eu estaria disposto a conhecer e conversar com esse público diferente de mim?
Embora pareça estranho, conversar com crianças não é fácil para a maioria de nós, artistas. Nossa formação geralmente vem do design gráfico ou das artes plásticas. Estamos acostumados a frequentar vernissages, conversar com adultos sobre processos criativos, materiais que utilizamos, nossos pensamentos e intenções por trás de cada cena. Mas esse público não consome o meu trabalho. Sim, é super legal ir a eventos elegantes, com bebidas bonitas e canapés. Mas, meus leitores não estão ali. Então, deixei de lado a timidez e decidi que eu estaria nas escolas, conversando com as crianças e seus pais.
Comecei a visitar escolas e a aceitar meus erros, o que foi fundamental. Por que digo isso? Porque nunca fui um bom contador de histórias. Não leio histórias facilmente, com boa entonação de voz ou interpretação dos personagens.
Mas, esse é o meu jeito de contar histórias. E então, eu descobri que as crianças também se interessam por pessoas que estão meio sem graça contando histórias, porque elas estão ali pela história e pela troca.









Crianças, às vezes, falam coisas e fazem comentários sem sentido algum. Mas é aí que está a magia. São tão fora do contexto que se tornam legais e divertidas, e se incorporam à história.
É incrível vê-las empolgadas quando o autor, o cara que fez o livro, está lá na frente delas. É mostrar a possibilidade de que elas também podem fazer isso um dia.
Volto para casa cheio de histórias para contar para minha família, de como foi o dia e de como elas perceberam o livro… e isso é um baita laboratório para nós, escritores. Essa vivência nos deixa mais afiados para os próximos livros a serem escritos.
Não é um processo fácil, mas vale muito a pena. Como um artista com formação em publicidade e propaganda, eu indico: precisamos estar perto do nosso público, das crianças. E isso é muito divertido.
Meu filho e os amiguinhos me inspiram muito a querer produzir pra esse público, eu estou sempre com um caderninho anotando as situações que vivemos juntos. Espero conseguir concluir meus livros e espero mais ainda que ele goste.
Ótimo texto, seu público é o mais difícil e sincero que existe.