De qualquer situação pode surgir uma nova ideia, tudo depende do seu olhar, imaginação e criatividade. Quero compartilhar com você um pouco do processo criativo do meu livro “Aaahhh!”. Espero que você goste e quem sabe se inspire também. Aliás, talvez mais pessoas estejam precisando de uma dose de inspiração… Mande este post pra algum amigo ou compartilhe nas redes sociais antes de continuar a leitura!
A fagulha
Era tarde da noite, umas 21:30h. Estava tirando as compras do mercado do porta-malas do carro quando ouço um berreiro de uma das janelas do prédio onde morava. “Como pode, a uma hora desta, uma criança ainda fazendo berreiro? Deveria estar na cama! Que pais são estes que permitem seus filhos fazerem essa bagunça?” Começo a subir as escadas e o barulho aumenta a cada degrau. Chego ao primeiro andar, ao segundo, ao terceiro… Finalmente, no quarto, o andar do meu apartamento, o barulho está ainda mais alto. Minha sorte é que todos os meus três vizinhos têm filhos da idade dos meus. Tenho 75% de chance de não ser na minha casa. Ao abrir a porta, me deparo com minha esposa que, me olhando desesperada, e diz: “Teu filho tá lá no banheiro berrando, ele não quer tomar banho. Faça alguma coisa!”
E eu fiz: escrevi uma história! Foi assim que surgiu o AAAHHH!
O texto
Um berreiro que incomoda pessoas no prédio é uma ideia, mas ainda não tem força pra se tornar um livro. E se aumentarmos um pouco? E se incomodar além de vizinhos? Quem sabe uma cidade, um país, o Planeta Terra inteiro? Aí já podemos começar uma conversa.
Gosto da brincadeira do non-sense, do ridículo, do exagero. Pra você ter ideia, minha referência foi Monty Python. Então tentei levar pra esse lado e encaixar coisas meio absurdas na história. Mais interessante ainda é quando, com todos os exageros, o leitor é levado a crer que o final será grandioso, que algo realmente assustador aconteceu, e toda a confusão acontece apenas por que uma criança está chorando. (Mas alguns pais vão concordar comigo que quando os filhos fazem berreiro, o mundo vira de cabeça pra baixo).
Depois dos primeiros rafes, em que a história girava em torno do Planeta Terra se juntando para combater um inimigo, com exércitos e armas, submeti o texto à alguns amigos editores e à minha agente. Nesta troca, percebi que adicionar as cenas de guerra não seriam a melhor escolha.
Ainda nessas conversas, meu amigo Pablo Lugones avisou-me que crianças chorando pra não tomar banho não era um final muito inusitado, e ele tinha toda a razão. Fiquei com essa inquietação e reescrevi meu texto, tirando a parte da guerra e tentando ser criativo usando outros caminhos para chegar num novo desfecho. É muito interessante poder submeter sua ideia para pessoas de confiança para te ajudar a lapidar seu projeto.
Certo tempo depois, estávamos num churrasco do condomínio, as crianças brincando e se divertindo, quando de repente surge um choro. Meu filho caiu e ralou o joelho. Mas desta vez a intensidade do choro e o drama foram realmente maiores do que o choro por não querer tomar banho. O churrasco praticamente parou e tivemos que ir pra casa pra acalmar nosso filho. Depois do choro acolhido e dos ânimos acalmados me dei conta: encontrei o final da minha história!
A ilustração
Para este projeto, quis experimentar a técnica de colagens, mas não gostei nada dos primeiros experimentos. Deixei um tempo em standby… em alguns momentos parece que insistir não é produtivo e dar tempo pra que as ideias surjam é uma forma de tirar a pressão e dar espaço pra criatividade.
Semanas depois e novos testes, finalmente gostei do que havia feito. Acho que encontrei a identidade, mas ainda havia um problema a ser resolvido: o barulho é o grande protagonista da história, como representá-lo? Como representar uma onomatopeia de forma visual que se conecte com as ilustrações? Tentei várias formas, incluindo carimbos feitos de batata. Não deu muito certo. O que resolveu mesmo foram vários “A”s e “H”s recortados de revistas, escaneados e tratados digitalmente.
Feito isto, restringi minha paleta de cores para 5 ou 6 cores e assim criei as ilustrações do meu livro. Um mix de colagens digitais e ilustrações com cores sólidas . Tudo no Photoshop. Aqui você pode ver algumas artes que foram descartadas:
O resultado
As ilustrações do livro conquistaram um importante prêmio em Bratislava, Eslováquia: a Golden Plaque do BIB em 2019. Era a primeira vez que um brasileiro conquistava algum troféu desde 2007, quando Angela Lago havia recebido uma premiação. Fiquei feliz demais, mas nem imaginava o que aconteceria um mês depois.
Lembro-me da manhã em que acordei e vi algumas mensagens de minha agente, Veronique Kirchhoff, sobre alguma premiação sobre o livro na China. Ao checar os e-mails, descobri que o AAAHHH venceu o Golden Pinwheel, prêmio da Feira de Shanghai, China, para onde viajarei em novembro afim de conhecer o evento.
Os comentários eram de que as ilustrações do livro eram inovadoras, traziam um frescor para o universo das imagens editoriais. Jamais imaginei que receberia um comentário destes, incrível né? Além dos prêmios, o livro já foi traduzido para 8 línguas, incluindo coreano e turco. Também foi finalista do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria ‘Livro Ilustrado’. Parece que não é apenas no Brasil que os pais também sofrem com os filhos barulhentos.
Espero que tenham gostado de conhecer um pouco deste processo criativo. Nem todos os livros são criados da mesma forma, mas um olhar atento e repertório é o que você precisa pra começar. Se quiser me contar um pouco do seu processo criativo ou das suas inspirações, escreva um comentário. Ficarei feliz com a nossa troca.
A inspiração é assim, transforma algo simples e ordinário (uma criança que não queria tomar banho) em algo grandioso (um berro que podia chacoalhar o mundo inteiro).
Aproveite e compre o livro para conhecer cada detalhe. Apenas clique na imagem abaixo:
Abração e até a próxima!